I – INTRODUÇÃO
A atual imigração ao Brasil surge em virtude da necessidade de a população fugir de um regime que está deixando muita gente desempregada, desabrigada e sem comida, vigente na Venezuela. Com isso, está havendo uma entrada maciça de venezuelanos ao Brasil, principalmente em Roraima, pelo fato de ser bastante próximo do país deles.
Mesmo esses imigrantes recebendo um pequeno auxílio do governo e de alguns indivíduos em relação a recebimento de alimentos e moradia, muitos deles estão tendo direitos humanos violados, seja pelo governo ou pelo restante da população brasileira. Rejeição de pedidos de refúgio; crimes raciais e xenófobos; agressões para cima deles, entre outros estão sendo bastante comuns.
Observando o que foi exposto anteriormente, nota-se que o princípio da dignidade da pessoa humana está sendo ferido de uma forma absurda e alguns direitos constitucionais estão sendo violados.
Em relação ao problema, vale falar sobre as soluções apontadas na Constituição Federal, no que se refere à proteção aos estrangeiros e direitos fundamentais, e no Código Penal, em relação à punição dos infratores penais diante dos venezuelanos.
II – A IMIGRAÇÃO
Ela ocorre desde 2014 e tem como causa a necessidade de a população fugir de uma situação catastrófica vigente na Venezuela. Há nove anos, o país encontrava-se na sua pior crise da história.
A Venezuela é um país que depende, financeiramente falando, do setor petroleiro. O preço médio do barril deste produto é fundamental para ter o conhecimento do motivo desta crise. O valor médio internacional do petróleo baixou muito nos últimos anos, de 88 a 33 dólares. O resultado é que uma economia exclusivamente dependente do petróleo possuíra menos ingresso de recursos em dólares. Sem contar a dívida externa, que estava em torno de 70 bilhões de dólares. Tem-se também o ponto da falta de equilíbrio da balança comercial, pelo fato de que o país importa mais de 80% do que consome em seu território.
Isso tudo resultou em uma população sofrendo com a falta de comida, remédios e emprego; instabilidade política; e inflação alta. Muitos supermercados, já desabastecidos, foram ambientes de saques por cidadãos. Foi anunciado estado de emergência. Os alimentos começaram a ser transportados diante de uma escolta armada de militares. Ou seja, impossível um indivíduo possuir condições mínimas para sua sobrevivência e de sua família em tal ambiente.
Stéphane Dujarric, um porta-voz da ONU, expôs que os direitos dos venezuelanos que estão emigrando do seu país devem ser respeitados e que as nações que os amparam devem tratá-los com dignidade: “É importante que aqueles que escapam da violência e que aqueles que fogem para salvar suas vidas tenham seus direitos respeitados e sejam tratados com dignidade”.
Dessa maneira, muitos cidadãos venezuelanos estão se mudando para diversos países, principalmente Colômbia, EUA e Brasil, a fim de sobreviverem.
Com isso, está havendo uma entrada maciça de venezuelanos ao Brasil, principalmente em Roraima, pelo fato de ser bastante próximo do país deles.
Cumpre asseverar que os venezuelanos iniciam o percurso de entrada em território brasileiro a partir da cidade de Pacaraima/RR. Lá, a Polícia Federal faz vários atendimentos diariamente aos refugiados. Os que contam com a sorte de entrar no território brasileiro, geralmente, vão de carona ou a pé até a capital roraimense. Tal fenômeno vem sendo conhecido como “rota da fome”, em razão da ausência de alimentos na Venezuela a estes indivíduos.
III – TRATAMENTO DO POVO BRASILEIRO E AUTORIDADES PERANTE OS VENEZUELANOS
Esses imigrantes, apesar de estarem recebendo pequeno auxílio governamental e de alguns cidadãos no que diz respeito a recebimento de alimentos e moradia, uma grande parte está tendo direitos humanos violados, seja pelo governo ou pelo restante do povo do Brasil.
Casos de não acolhimento; rejeição de pedidos de refúgio; não igualdade do governo em relação à tratamento com eles comparando-se com brasileiro; policiais maltratando eles; injúrias raciais e xenófobas, agressões para cima deles; extradição por acusarem eles de infrações criminais que às vezes nem existiram ou pela simples opinião política; não segurança dos policiais concedida à eles; doação insuficiente de alimentos por parte do governo aos venezuelanos, entre outros estão sendo bastante comuns. Vários costumam ser chamados de bandidos, simplesmente pelo fato de não serem brasileiros.
Importante verificar o entendimento de Alexandre de Moraes (2005, p.81) sobre extradição: “É o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, acusado de um delito ou já condenado com criminoso, à justiça do outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo”.
Devido ao crescente processo de imigração por parte dos venezuelanos no Brasil, o governo resolveu publicar a Lei nº 13.684/2018, que trata a respeito de medidas de assistência emergencial, com o propósito de acolher cidadãos que se encontram em estado vulnerável em razão do grande fluxo migratório por conta de crise humanitária. Em seu artigo 3º, há uma definição precisa do propósito desta lei, in verbis:
Art. 3º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I – situação de vulnerabilidade: condição emergencial e urgente que evidencie a fragilidade da pessoa no âmbito da proteção social, decorrente de fluxo migratório desordenado provocado por crise humanitária;
II – proteção social: conjunto de políticas públicas estruturadas para prevenir e remediar situações de vulnerabilidade social e de risco pessoal que impliquem violação dos direitos humanos; e
III – crise humanitária: situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave e generalizada violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário que cause fluxo migratório desordenado em direção a região do território nacional.
Já no artigo 5º desta lei, são expostas as medidas de assistência emergencial, vejamos:
Art. 5º As medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária visam à ampliação das políticas de:
I – proteção social;
II – atenção à saúde;
III – oferta de atividades educacionais;
IV – formação e qualificação profissional;
V – garantia dos direitos humanos;
VI – proteção dos direitos das mulheres, das crianças, dos adolescentes, dos idosos, das pessoas com deficiência, da população indígena, das comunidades tradicionais atingidas e de outros grupos sociais vulneráveis;
VII – oferta de infraestrutura e saneamento;
VIII – segurança pública e fortalecimento do controle de fronteiras;
IX – logística e distribuição de insumos; e
X – mobilidade, contemplados a distribuição e a interiorização no território nacional, o repatriamento e o reassentamento das pessoas mencionadas no caput deste artigo.
Cumpre asseverar também que existe o Estatuto dos Refugiados (Lei nº 9.474/1997), criado com base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, onde dá a definição de refugiado em seu artigo 1º; e em seu artigo 7º, § 1º, afirma que ele não pode ser deportado para o seu país caso esteja correndo risco de vida ou liberdade, porém nem sempre esse estatuto é respeitado pelos governantes, ipsis litteris:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
(...)
Art. 7º O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível.
§ 1º Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.
Ainda sobre o papel do governo brasileiro, o CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados), criado através da lei citada no parágrafo anterior, tem como responsabilidade receber os pedidos de refúgio e determinar se os indivíduos que solicitaram podem se enquadrar como refugiados. No caso dos imigrantes venezuelanos, eles se enquadram perfeitamente. Este comitê outorga aos refugiados documentação de residência legal no país, além de ser um órgão de deliberação coletiva interministerial.
Na Lei nº 9.474/1997, em seu artigo 12, demonstra a competência do Comitê Nacional para os Refugiados:
Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional dos refugiados:
I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado;
II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado;
III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado;
IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados;
V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.
Ainda sobre esta lei, os artigos 17, 18, 19 e 20 explicam como deve ser feito o procedimento do processo de refúgio aos estrangeiros:
Art. 17. O estrangeiro deverá apresentar-se à autoridade competente e externar vontade de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado.
Art. 18. A autoridade competente notificará o solicitante para prestar declarações, ato que marcará a data de abertura dos procedimentos.
Parágrafo único. A autoridade competente informará o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR sobre a existência do processo de solicitação de refúgio e facultará a esse organismo a possibilidade de oferecer sugestões que facilitem seu andamento.
Art. 19. Além das declarações, prestadas se necessário com ajuda de intérprete, deverá o estrangeiro preencher a solicitação de reconhecimento como refugiado, a qual deverá conter identificação completa, qualificação profissional, grau de escolaridade do solicitante e membros do seu grupo familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos que fundamentem o pedido de refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes.
Art. 20. O registro de declaração e a supervisão do preenchimento da solicitação do refúgio devem ser efetuados por funcionários qualificados e em condições que garantam o sigilo das informações.
De acordo com a jurisprudência abaixo do Tribunal de Contas da União, pode-se notar que há uma certa resistência do governo brasileiro perante imigrações. Sempre desejam um fortalecimento na área de fronteira. Nesse sentido:
AUDITORIA OPERACIONAL. AVALIAÇÃO DE GOVERNANÇA DE POLÍTICAS PÚBLICAS. 3ª ETAPA. FORTALECIMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA. ANÁLISE SISTÊMICA DAS OPORTUNIDADES DE MELHORIA CONSTATADAS. MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO. GESTÃO DE RISCO E CONTROLE INTERNO. ACCOUNTABILITY. RECOMENDAÇÕES AOS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS.
(TCU - RA: 02005320150, Relator: AUGUSTO NARDES, Data de Julgamento: 03/08/2016)
Vale ressaltar que o governo deve ter uma política de respeito aos direitos humanos, respeitando a soberania dos estados, inclusive da Venezuela, como é o caso em questão, mas há a necessidade de haver um equilíbrio entre a demanda de venezuelanos e brasileiros. Além disso, o governo precisa dar mais assistência a indivíduos mais vulneráveis.
Todavia, o governo nem sempre ajuda, e o Ministério Público interpôs uma ação contra o Município de Boa Vista, para garantir aos imigrantes, principalmente crianças, a concessão da refeição de café da manhã, que não era fornecida pelo município. O Tribunal de Justiça de Roraima afirmou que é de competência da Vara da Infância e Juventude, mas relatou que, baseando-se nos direitos fundamentais, o município deve garantir políticas públicas que proporcionem condições mínimas para retirar das ruas e assegurar proteção a crianças venezuelanas imigrantes, conforme jurisprudência abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CRIANÇAS IMIGRANTES VENEZUELANAS EM ESTADO DE VULNERABILIDADE – MEDIDA PROTETIVA – DIREITOS HUMANOS MULTIDIMENSIONAIS VINCULADOS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, INCLUSIVE OS IMIGRANTES INDOCUMENTADOS – COMPETÊNCIA – VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – OBRIGAÇÃO JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO – DEVER QUE DERIVA, DE MODO ESPECIAL, DA OPINIÃO CONSULTIVA 21 DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (DIREITOS E GARANTIAS DE CRIANÇAS NO CONTEXTO DA MIGRAÇÃO E/OU EM NECESSIDADE DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL) – NORMAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS TAMBÉM APLICÁVEIS À ESPÉCIE – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS – DETERMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO QUE NÃO VIOLA O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E A HIGIDEZ ORÇAMENTÁRIA – RESERVA DO POSSÍVEL – INAPLICABILIDADE – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. É de competência da Vara da Infância e da Juventude o processamento e o julgamento de ação proposta exclusivamente contra o Município, com a finalidade de efetivar direitos difusos e coletivos afetos a crianças e adolescentes.
2. Os entes federativos têm responsabilidade solidária por assegurar os direitos fundamentais das crianças e adolescentes.
3. O dever de proteção a crianças e adolescentes imigrantes tem fundamento na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente e, de modo especial, na Opinião Consultiva n. 21, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que estabelece, em resposta a consulta feita pelo Brasil e por outros países, que o Estado receptor da criança deve oferecer assistência material e programas de apoio, particularmente com respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação.
4. Como decorrência disso, o Município tem o dever de adotar política pública que proporcione condições mínimas para retirar das ruas e assegurar proteção a crianças venezuelanas imigrantes.
5. Como os direitos tutelados se inserem no núcleo mínimo de direitos fundamentais, não têm aplicação as cláusulas de reserva orçamentária e de reserva do possível, impondo-se apenas delimitar a obrigação quanto à quantidade e quanto à duração do fornecimento de abrigo e alimentação
(TJ-RR - AgInst: 0000170001671 0000.17.000167-1, Relator: Des., Data de Publicação: DJe 31/10/2017, p. 7)
Devido ao aumento da imigração, a ex-governadora de Roraima, Suely Campos, ingressou em 13/04/2018 com um pedido no Supremo Tribunal Federal, com pleito de concessão de tutela, para que fosse fechada a fronteira com a Venezuela por um certo período. A razão disso é que, segundo ela, a violência aumentou e a situação financeira do estado piorou.
Contudo, para amenizar um pouco a situação, o STF indeferiu o pedido de fechamento da fronteira com a Venezuela, através da Ministra Rosa Weber. A proteção ao refugiado é regra solidariamente internalizada no ordenamento jurídico brasileiro. (WEBER, 2018).
A ministra usou como razões do indeferimento deste tutela provisória na ação cível: o fechamento da fronteira internacional ser de competência exclusiva do Presidente da República, com base no artigo 84, VII, da CF; o dever de proteção ao refugiado, citando princípios constitucionais e tratados como o Protocolo de 67, referente à Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados, a Declaração de Cartagena, a Declaração do Brasil, além do Acordo sobre Cooperação Sanitária Fronteiriça, criado em 1991 pelos governos brasileiro e venezuelano, em que determina que não haja medidas que façam com que exista o fechamento de fronteira entre essas duas nações.
IV – DOS CRIMES SOFRIDOS PELOS VENEZUELANOS
Os crimes que eles mais estão sofrendo no dia-dia são: lesão corporal; injúria, seja pela origem ou raça; calúnia e até homicídios, em alguns casos.
Rogério Greco (2015, p. 263), no seu livro Curso de Direito Penal Parte Especial Volume II, esclarece que: lesão corporal consiste em qualquer dano ocasionado por alguém a integridade física ou da saúde de outrem. O que mais tem sido visto em Roraima são venezuelanos agredidos constantemente nas ruas.
O crime de lesão corporal pode ser encontrado no artigo 129 do Código Penal: “Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. (CP, 1940)”.
Em relação ao racismo, vários venezuelanos estão sendo alvos de injúria racial, pelo fato de serem de outro país e muitos terem origem indígena.
Desta forma, Victor Eduardo Gonçalves (2016, p. 268), em sua obra Direito Penal Parte Especial Esquematizado salienta que: “O crime de racismo, por meio de manifestação de opinião, estará presente quando o agente se referir de forma preconceituosa indistintamente a todos os integrantes de certa raça, cor, religião, etc”.
Este tipo de crime está previsto no artigo 2º-A da Lei nº 7.716/1989, ipsis litteris:
Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Tal lei, em seu artigo 20, ainda dispõe sobre o crime de racismo: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”.
Casos de calúnia também são bastante corriqueiros. Este crime corresponde a imputação falsa de um fato criminoso a alguém. Um exemplo foi um caso ocorrido em Boa Vista/RR, quando jovens venezuelanos foram acusados falsamente de furto por um comerciante e agredidos por populares (ainda foram vítimas do crime de lesão corporal).
O crime de calúnia está previsto no artigo 138 do Código Penal: “Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. (CP, 1940)”.
Segundo brilhante entendimento de Victor Eduardo Gonçalves (2016, p. 250): “Na calúnia o agente visa atingir apenas a honra da vítima, imputando-lhe falsamente um crime perante outra(s) pessoa(s)”.
Embora não tenha sido tão frequente quanto os crimes citados anteriormente, o crime de homicídio se faz presente em algumas ocasiões também. Alguns indivíduos mataram (tiraram a vida de outrem) ou tentaram matar (crime que não foi consumado por razões alheias à vontade do autor) imigrantes venezuelanos, por motivos já expostos.
Consoante às lições de Victor Eduardo Gonçalves (2016, p. 76): “O homicídio consiste na eliminação da vida humana extrauterina provocada por outra pessoa. A vítima deixa de existir em decorrência da conduta do agente”.
A tentativa de homicídio é plenamente possível e, aliás, muito comum. Para o seu reconhecimento, são exigidos 3 fatores: que exista prova inequívoca de que o agente queria matar a vítima; tenha havido início da execução do homicídio; e o resultado morte não tenha ocorrido por circunstâncias alheias à vontade do agente. (GONÇALVES, 2016).
O crime de homicídio está previsto no artigo 121 do Código Penal e admite tentativa:
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
[...]
Art. 14 - Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente
O pior disso tudo é que muitas vezes há a impunidade das pessoas que cometem as atitudes citadas anteriormente contra eles, fazendo com que o Código Penal não tenha muita importância.
Porém, conforme jurisprudência a seguir do TJ/RR, denota-se que não foi concedido um habeas corpus a uma pessoa que tentou matar indivíduos venezuelanos, por ser contrário à presença deles no local onde mora:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E POSSE DE ARMA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PACIENTE QUE ATENTOU CONTRA A VIDA DE ESTRANGEIROS POR SER CONTRÁRIO À PRESENÇA DESSES NO ESTADO. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO ART. 312 DO CPP. ORDEM DENEGADA EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. Havendo prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública.
2. O édito preventivo está devidamente motivado na necessidade de se assegurar a ordem pública, diante da periculosidade concreta do agente, evidenciada no porte ilegal de arma de fogo e de nutrir um sentimento negativo contrário à permanência de venezuelanos no Estado.
(TJ-RR - HC: 90009276420188230000 9000927-64.2018.8.23.0000, Relator: Juiz(a) Conv. , Data de Publicação: DJe 17/07/2018, p.)
Dessa maneira, pode ser observado claramente que foi um crime de ódio, motivado por xenofobia contra o indivíduo estrangeiro.
V – DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS
Observando o que foi exposto anteriormente, verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana está sendo ferido de uma forma absurda. Este está previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal, presente no rol de princípios fundamentais da CF/88 e constitui o princípio máximo do Estado Democrático de Direito, in verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
Cabe aduzir que os direitos fundamentais são características como de caráter nacional, pelo fato de serem garantias cedidas por parte de certo Estado a sua população.
Segundo entendimento de José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 105): “os direitos fundamentais não são apenas um limite do Estado, são também uma tarefa do Estado. Ao Estado incumbe defendê-los e garanti-los. Não apenas um dado a respeitar, são também uma incumbência a realizar”.
Gilmar Mendes (2008, p. 266), em seu livro Curso de Direito Constitucional, salienta que: “os direitos fundamentais transcendem a perspectiva de garantia de posições individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política, expandindo-os para todo o direito positivo. Formam, pois a base do ordenamento jurídico de um estado democrático”.
Vale esclarecer também que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é baseado na teoria do mínimo existencial, que é caracterizado por abranger o conjunto de utilidade e bens necessários e essenciais de forma absoluta para o indivíduo ter uma vida digna.
Ana Paula de Barcellos (2002, p. 26-27), em sua obra Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais na Constituição de Federal de 1988, se manifesta da seguinte maneira:
“As pessoas devem ter condições dignas de existência, aí se incluindo a liberdade de desenvolverem-se como indivíduos, a possibilidade de participarem de deliberações coletivas, bem como condições materiais que as livre da indignidade, aspecto que mais diretamente interessa a este estudo, não apenas porque isso é desejável, mas porque a Constituição, centro do sistema jurídico, norma fundamental e superior, assim determina. Ao juridicizar, através de princípios, valores fundamentais e ações políticas que entende decorrem de forma direta e imediata de tais valores, a Constituição coloca a serviço o instrumental jurídico do direito constitucional, retirando-se os do debate meramente político”.
Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 48) aduz que: “este princípio se trata de um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Importante também ressaltar o dizer de Ana Paula de Barcelos (2002, p. 305): “Dentro do mínimo existencial estão os seguintes direitos: educação fundamental obrigatória e gratuita, saúde, assistência social e assistência jurídica gratuita”.
Cumpre asseverar que o Tribunal Federal Regional da 3º Região já se posicionou quanto a isso, mesmo esses casos em que sejam aplicados o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e garantia de direitos fundamentais aos vulneráveis não sejam muito comuns, assegurando que deve haver a igualdade entre estrangeiros residentes no país e brasileiros, em se tratando de gratuidade da emissão da segunda via de carteira de identidade a quem se declara ser hipossuficiente, conforme jurisprudência a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA ENTRE MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO E INDIVIDUAL REJEITADA. EMISSÃO DE CÉDULA DE IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO. SEGUNDA VIA. COBRANÇA INDEVIDA DE TAXAS. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS. -
Não existe litispendência entre o mandado de segurança coletivo, impetrado pela Defensoria Pública da União, e o mandado de segurança individual impetrado por estrangeiro, porque a existência do primeiro não retira dos substituídos o interesse de agir para a impetração do segundo. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. - Aos estrangeiros residentes no país é assegurado o direito à igualdade. Se para os brasileiros é gratuita a primeira emissão da carteira de identidade, para os estrangeiros não pode ser diferente, sob pena de afronta ao princípio da igualdade. -
A CIE é o documento que comprova o registro do estrangeiro na Polícia Federal e que possibilita ao autor o exercício de direitos fundamentais no país, como o acesso à saúde, à educação e ao trabalho (excepcionados os políticos no caso dos estrangeiros), depende de identificação, o que constitui mais uma razão para que não haja distinção entre brasileiros e imigrantes. Assim, se o Estado de São Paulo prevê a isenção para a emissão da segunda via do documento para os brasileiros que se declaram hipossuficientes, consoante se constata do sítio eletrônico do órgão competente, tal tratamento deve ser dispensado aos estrangeiros na mesma situação. - A decisão mais razoável não poderia ser outra senão a prevalência da dignidade da pessoa humana face do pagamento das taxas, visto que afrontaria expressamente os princípios e objetivos expressos na Constituição Federal de 1988. - Preliminar rejeitada. Apelação e remessa oficial desprovidas.
(TRF-3 - AMS: 00074902820164036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, Data de Julgamento: 19/07/2017, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/08/2017)
Vale salientar que qualquer estrangeiro em situação legal no Brasil tem como direitos fundamentais garantidos: acesso à escolaridade, liberdade pensamento, livre deslocamento, assistência médica, ingresso no mercado de trabalho, não repatriamento forçado.
Todavia, o governo, no geral, não vem garantindo condições mínimas existenciais aos imigrantes venezuelanos, pois não concede moradia aos desabrigados, alimentos, assistência social, saúde a eles, etc.
É bastante notável que o governo vem contrariando totalmente algumas das características dos direitos fundamentais, tais como: universalidade, pelo fato de não estarem sendo dirigidos às pessoas de outras nacionalidades, além da efetividade.
Com tudo isso que vem ocorrendo, fica claro que alguns direitos constitucionais, previstos no artigo 5º (direitos e deveres individuais e coletivos) e artigo 6º (direitos sociais), não estão sendo respeitados. Os venezuelanos não estão tendo liberdade, segurança, alimentação, saúde, além de estarem sofrendo diversos crimes e terem que lidar com a não punição dos infratores. A dignidade da pessoa humana deve ser garantida a todos que estejam no território brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
https://www.jusbrasil.com.br/
https://www.gov.br/planalto/pt-br
http://especiais.g1.globo.com/rr/roraima/2016/venezuelanos-no-brasil/
https://oglobo.globo.com/mundo/venezuelano-morre-em-hospital-de-roraima-apos-ser-espancado-por-brasileiros-23121115
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-08/onu-pede-tratamento-digno-venezuelanos-que-fogem-para-outros-paises
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. 1. Ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2002.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 9 reimp. Coimbra. Almedina, 2003.
GONÇALVES, Victor Eduardo. Direito Penal Parte Especial: Esquematizado. 6 ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2016.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Volume II. 12. ed. Niterói. Editora Impetus, 2015.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo. Saraiva, 2008.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo. Editora Atlas S.A, 2005.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
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