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Como o dolo influencia o negócio jurídico

De início, é importante conceituar a definição do negócio jurídico, sendo este, uma relação firmada entre duas ou mais partes dentro dos parâmetros jurídicos caracterizado primordialmente pela vontade geral de concretização do acordo, estabelecendo obrigações e direitos de cada um dos envolvidos na relação.



Em sequência, quando falamos de vícios do negócio jurídico que estão relacionados ao consentimento, abordamos a questão de anomalias que podem fazer com que, aparentemente, todos tenham vontade de concretizar aquele contrato, entretanto, o acordo não refletiu com precisão a real pretensão de alguma pessoa envolvida.


Ou seja, mesmo nos casos em que declaradamente uma pessoa afirma querer firmar um contrato com outrem, há a possibilidade dela ser induzida a aceitar algo que não é de seu agrado, o que caracteriza um vício de consentimento.


Nesse sentido, o Código Civil de 2002, elencou uma série de anomalias que podem levar a uma situação como esta, são elas: dolo, coação, lesão, estado de perigo, erro ou ignorância. Sendo assim, é de suma relevância caracterizar o dolo e entendê-lo para descobrir o que é cabível a partir do momento que ele é identificado nos negócios jurídicos.


Primeiramente, o dolo é caracterizado pela indução maliciosa de algum dos envolvidos na relação jurídica a cometer o erro de demonstrar a vontade. Nesse sentido, o dolo representa uma vontade direta de um ou mais indivíduos de prejudicar alguma das partes envolvidas no acordo, visando tirar vantagem de terceiro através de uma falsa realidade ou algo que não foi bem explicado.

Cabe aduzir que o Código Civil entende que há três tipos de dolo: principal, acidental e de terceiro. Para melhor compreensão de cada um dos deles, vale ressaltar o conteúdo dos seguintes artigos deste código, in verbis:


Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.

Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.

Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

Primeiramente, o art. 145 se refere ao dolo principal, aquele que fez com que o negócio jurídico existisse, a causa determinante para a concretização do acordo. Em síntese, uma das partes é enganada sobre a real situação que ela está se envolvendo, fazendo com que ele tenha uma falsa impressão de tudo aquilo está em correto e em conformidade com o que fora planejado anteriormente, ou seja, sem a ilusão apresentada ao indivíduo, ele não teria realizado tal negócio, portanto, a comprovação do dolo principal faz com que tal negócio jurídico seja passível de anulação.


Por esse mesmo viés, vale ressaltar o entendimento dos tribunais pátrios a respeito de casos que envolvam o dolo intencional, ipsis litteris:


APELAÇÃO CÍVEL E APELAÇÃO ADESIVA – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO POR VÍCIO DE CONSENTIMENTO – SENTENÇA PROCEDENTE PARA O FIM DE DETERMINAR A ANULAÇÃO DA ESCRITURA DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, OUTORGADA EM 31.10.2015, EM RAZÃO DA PRESENÇA DE VÍCIO DO CONSENTIMENTO (DOLO), COM RETORNO DAS PARTES AO ESTADO EM QUE ANTES DO NEGÓCIO JURÍDICO SE ACHAVAM.APELAÇÃO PRINCIPAL: INSURGÊNCIA DA PARTE REQUERIDA – PRELIMINARES – ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA DO DIREITO DO AUTOR EM PLEITEAR A ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO OBJETO DOS AUTOS – NÃO CONHECIMENTO – MATÉRIA QUE FOI ANALISADA E DECIDIDA EM DESPACHO SANEADOR E RESPECTIVO AGRAVO DE INSTRUMENTO – PRECLUSÃO PRO JUDICATO – ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – TESE DEFENSIVA NÃO SUSCITADA EM CONTESTAÇÃO, MAS SOMENTE EM SEDE RECURSAL – INOVAÇÃO RECURSAL – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA VEDADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO – RECURSO NÃO CONHECIDO TAMBÉM NESTE TOCANTE – ARGUIÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA – NÃO OCORRÊNCIA – SENTENÇA QUE OBSERVOU ESTRITAMENTE O QUE FOI PLEITEADO NA EXORDIAL PELOS AUTORES – MÉRITO – ALEGADA AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO NO NEGÓCIO JURÍDICO PACTUADO COM O LIVRE CONSENTIMENTO DAS PARTES – SEM RAZÃO – FLAGRANTE SITUAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DOS AUTORES EM RELAÇÃO AO REQUERIDO – CARÁTER ASTUCIOSO NA CONDUTA DO REQUERIDO QUE PASSOU INFORMAÇÕES COMPLETAMENTE INVERÍDICAS AOS AUTORES ACERCA DO PATRIMÔNIO DO ESPÓLIO – DESPROPORCIONALIDADE ENTRE O QUE TRANSFERIRAM AOS AUTORES E A CONTRAPRESTAÇÃO QUE RECEBERAM – DOLO NO AGIR DO REQUERIDO DEVIDAMENTE COMPROVADO – RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO, E NESSA PARTE, NÃO PROVIDO.APELAÇÃO ADESIVA: INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA – PLEITO FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA – POSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO TEMA REPETITIVO Nº 1076 DO STJ, NO QUAL FOI DETERMINADO QUE A FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA NÃO É PERMITIDA QUANDO OS VALORES DA CONDENAÇÃO, DA CAUSA OU PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA FOREM ELEVADOS – OBRIGATORIEDADE, NESTES CASOS, DA OBSERVÂNCIA DE PERCENTUAIS PREVISTOS NOS PARÁGRAFOS 2º DO ARTIGO 85 DO CPC, OS QUAIS SERÃO CALCULADOS, NO CASO CONCRETO, SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 6ª C. Cível - XXXXX-07.2019.8.16.0107 - Mamborê - Rel.: DESEMBARGADOR ROBSON MARQUES CURY - J. 04.07.2022)


(TJ-PR - APL: 00009170720198160107 Mamborê XXXXX-07.2019.8.16.0107 (Acórdão), Relator: Robson Marques Cury, Data de Julgamento: 04/07/2022, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 11/07/2022)

Em relação ao dolo acidental, o art. 146 que determina o que seria esse tipo de dolo, ele se diferencia do anterior no seguinte ponto: sem ele, o negócio jurídico existiria, entretanto, teria outras características, não sendo essencial para a concretização do acordo, tal tipo de dolo não faz com que o contrato seja nulo, apenas faz com que a parte que se beneficiou realize uma reparação ao outro que teve prejuízo.


Nesse contexto, é relevante observar a decisão do Superior Tribunal de Justiça que preferiu uma decisão favorável à indenização por danos justamente por conta da presença do dolo acidental, como pode-se observar:


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E DIREITO SOCIETÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL FECHADO. PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA. ALIENAÇÃO. VALOR DAS AÇÕES. CRITÉRIO DE CÁLCULO. VALOR DE NEGOCIAÇÃO PRIVADA. DOLO ACIDENTAL. PROVA. AUSÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. LIMITES PERCENTUAIS. DEVER DE OBSERVÂNCIA. ART. 85, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Demanda visando à reparação de alegadas perdas e danos resultantes da compra e venda de participação societária por valor supostamente inferior ao de mercado. 3. Na compra e venda de participação acionária em âmbito privado, o preço da ação equivale ao valor de negociação, que é aquele resultante do encontro de vontades entre comprador e vendedor. 4. O fato de a participação acionária valer mais ou menos, segundo a percepção mercadológica, que o valor livremente acordado entre comprador e vendedor não inquina de nulidade o negócio jurídico realizado. 5. A negociação envolvendo a compra e venda de ações em caráter privado não pode estar contaminada por vícios capazes de anular, total ou parcialmente, o negócio jurídico celebrado. 6. Hipótese em que, após a realização de perícia técnica, não se constatou ter havido manipulação de balanços patrimoniais e demonstrações financeiras, simulação de situação de penúria ou ocultação de ativos, além de não se ter produzido prova acerca da alegada omissão intencional de dados relevantes capazes de viciar o negócio jurídico. 7. A simples colocação da empresa à venda por valor muito superior ao que havia sido pago na aquisição da participação acionária, sob diferentes condições de mercado, em data distinta e sem que a venda tenha se concretizado não serve para comprovar o alegado dolo acidental, tampouco que era aquele o verdadeiro valor de mercado. 8. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o § 2º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 constitui a regra geral, de aplicação obrigatória, devendo os honorários sucumbenciais ser fixados no patamar de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa. 9. O § 8º do art. 85 do CPC/ 2015 possui aplicação subsidiária e excepcional, restrita às hipóteses em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou quando o valor da causa for muito baixo, permitindo, assim, que a verba honorária seja arbitrada por equidade, o que não é o caso dos autos. Precedentes. 10. Recursos especiais de S. de O. P (fls. 4.679/4.720 e-STJ), S. de O. P. e G. de O. P. (fls. 4.738/4.833 e-STJ) não providos. 11. Recursos especiais de B. de M. P. (fls. 4.844/4.877) e B. P. e A. Ltda. e outros (fls. 4.883/4.907 e-STJ) providos.


(STJ - REsp: 1898122 MG 2020/0254011-2, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 16/03/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/03/2021)

Por fim, o dolo por terceiro, caracterizado pelo art. 148, pode tanto ser motivo para anulação do contrato como pode não ser. Nesse sentido, para ser motivo de anulação, o agente que se beneficia do dolo tem que ter plena consciência do que está fazendo, caso contrário, ele apenas terá que restituir o prejuízo causado a outrem mas o negócio permanece válido.


Dessa forma, fica evidente que o dolo é extremamente negativo nas relações contratuais e pode até mesmo levar a uma anulação do negócio jurídico, caso seja comprovado, sendo um vício relacionado ao consentimento e exposto no Código Civil de 2002.

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