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Prescindibilidade da má-fé como condição da repetição do indébito

Atualizado: 12 de mai. de 2022

No âmbito das relações consumeristas, a cobrança indevida de valores, por parte dos fornecedores, é prática comum, a exemplo dos descontos relativos a empréstimos consignados que jamais foram contratados.


Com o escopo de elidir tal prática, o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), garante o ressarcimento em dobro daquilo que foi pago em excesso, dispondo que “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável” .

Ocorre que, a depender da interpretação conferida pelos órgãos julgadores a expressão “engano justificável”, a aplicação do art. 42, parágrafo único, pode vir a ser restringida. Para a primeira seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a aplicação do art. 42, § único, do CDC, não depende de prova da má-fé (dolo) do fornecedor, sendo a conduta culposa suficiente para ensejar o dever de pagamento em dobro.


Para a segunda seção do STJ, por sua vez, a previsão do art. 42, § único, do CDC seria cabível apenas quando demonstrada a má-fé do fornecedor, ou seja, o intuito de lesar.


Em 30 de março de 2021, foram publicados acórdãos de Embargos de Divergência em Recurso Especial (EAREsp 600.663/RS, 622.897/RS, 676.608/RS, 1.413.542/RS), nos quais foram discutidos os critérios aptos a ensejar a devolução em dobro de valores cobrados indevidamente do consumidor, à luz do art. 42 do CDC.


A corte especial do STJ, então, concluiu que não mais importa, para efeito de compreensão da expressão “engano justificável”, adentrar no aspecto volitivo (culpa ou dolo) da conduta assumida pelo fornecedor, mas tão somente a observância ou não do princípio da boa-fé objetiva, que é princípio basilar do direito contratual e está relacionada a assunção de um comportamento ético nas relações contratuais .


Por ocasião do julgamento, fora destacado que o CDC não elege a má-fé como pressuposto do ressarcimento em dobro e que tal exigência oneraria excessivamente a parte mais vulnerável da relação jurídica. Além disso, que a demonstração da má-fé pelo consumidor pode, inclusive, significar o dever de produção de prova diabólica, que é modalidade de prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida. Nesse sentido, prevaleceu a seguinte tese: “a restituição em dobro de indébito, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou o valor indevido, revelandose cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária a boa-fé objetiva”.


Destaca-se, ainda, que os efeitos foram modulados para que haja incidência do novo entendimento a partir da publicação do acórdão, para o caso das demandas que não decorram da prestação de serviços públicos. Nesse sentido, a tese fixada somente será aplicável a valores pagos após a publicação do acórdão.


Em 22 de abril de 2021, a corte especial do STJ decidiu pela afetação do Recurso especial 1.823.218, para julgamento sob o rito dos Recursos Repetitivos, previsto no art. 1036 do CPC, de modo que se estabeleça um precedente qualificado acerca da referida temática, bem como se consolide a tese a ser aplicada em casos análogos.

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