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O locador que aluga o mesmo imóvel para pessoas diferentes e o cometimento do crime de estelionato

De início, cumpre asseverar que, para Maria Helena Diniz o contrato de locação é “o contrato pelo qual uma das partes, mediante remuneração paga pela outra, se compromete a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo, o uso e o gozo de uma coisa infungível, a prestação de um serviço apreciável economicamente ou a execução de alguma obra determinada”.



No tocante ao contrato de locação de imóvel, tal negócio jurídico corresponde a uma cessão de um imóvel, seja uma casa, terreno ou apartamento, por um determinado período, tratando-se de uma troca de uso em que o locatário paga ao locador uma quantia para usufruto de tal bem.


Importante esclarecer que o contrato de locação de imóvel é regido pela Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), tendo como principal princípio o da liberdade contratual entre as partes do negócio jurídico.


Pois bem, caso um indivíduo alugue um mesmo imóvel para pessoas diferentes, este comete o crime de estelionato, visto estarem presentes os requisitos de obtenção de vantagem ilícita; prejuízo à outra pessoa; uso de meio ardil ou artimanha; e enganar alguém ou levá-la a erro.


Segundo lições de Victor Eduardo Rios Gonçalves: o artifício se mostra presente quando, para enganar a vítima, o agente lança mão de algum artefato, faz uso de algum objeto para ajuda-lo no engodo; ardil é a conversa enganosa, ou seja, o agente engana a vítima com mentiras verbais; e outro meio fraudulento é uma forma genética, inserida no tipo penal para abranger qualquer outra artimanha capaz de enganar o sujeito passivo, como, por exemplo, o silêncio.

Vale salientar, ainda, que, conforme art. 171, § 2º, II, do CP, incorre nas mesmas penas do crime de estelionato quem vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias, in verbis:


Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (Vide Lei nº 7.209, de 1984)

(....)

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

(...)

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

(CP, 1940)

Cabe aduzir que, aplicando-se a interpretação extensiva, um mecanismo de interpretação permitido no Código Penal, onde tem aplicação em hipóteses em que a legislação não dispõe tudo o que deveria expressar, cabendo ao magistrado ampliar o seu alcance para além do que está previsto no texto legal, entende-se que realizar um contrato de locação de um imóvel para mais de uma pessoa também se enquadra neste inciso.

Importante esclarecer que, consoante entendimento dos tribunais pátrios, a venda de um mesmo imóvel para pessoas distintas configura-se o crime de estelionato, ipsis litteris:

ESTELIONATO. Conduta de vender o mesmo imóvel por duas vezes, a pessoas diferentes. Configuração. Vítima que sofreu prejuízo, pois não teve seu direito de propriedade reconhecido, haja vista que o compromisso de compra e venda operou-se por instrumento particular, sem a confecção de escritura pública. Prova testemunhal e documental a corroborar a palavra do ofendido em sede policial. Dolo do agente evidenciado. Fraude perpetrada. Negativa isolada do acusado, além de pouco crível. Não comprovado o ressarcimento do prejuízo antes do recebimento da denúncia. Ainda que houvesse sido dado outro terreno à vítima, em compensação, esse fato não tem o condão de isentar o réu de sua responsabilidade. Condenação mantida. Pena bem dosada. Reiteração delitiva por parte de OZIAS, que ostenta dezessete outras condenações por estelionato. Regime fechado confirmado. Apelo desprovido.

(TJ-SP - APR: 00036778320038260244 SP 0003677-83.2003.8.26.0244, Relator: Otávio de Almeida Toledo, Data de Julgamento: 02/10/2012, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 04/10/2012)

ESTELIONATO. CONDENAÇÃO. INSURGÊNCIA DO RÉU. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. LAPSO TEMPORAL DECORRIDO DESDE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA ATÉ A PROLAÇÃO DE SENTENÇA QUE NÃO ATINGE A REGRA DO ART. 109, IV, DO CÓDIGO PENAL DE MODO A REFLETIR NA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. CONJUNTO DE PROVA COESO E HARMÔNICO NO SENTIDO DE QUE O APELANTE, CONSCIENTEMENTE, OBJETIVANDO VANTAGEM ILÍCITA PARA SI, EM PREJUÍZO ALHEIO, MEDIANTE ARTIFÍCIO FRAUDULENTO, VENDEU O MESMO IMÓVEL POR DUAS VEZES, NUM ESPAÇO DE NOVE MESES, PARA PESSOAS DISTINTAS, CARACTERIZANDO, ASSIM, O ILÍCITO PENAL TIPIFICADO NO ART. 171, CABEÇA, DO CÓDIGO PENAL, SENDO DE RIGOR A SUA RESPONSABILIAÇÃO, COMO PROCLAMADO NA SETENÇA. RECURSO NÃO PROVIDO.

(TJPR - 4ª Câmara Criminal - AC - Paranaguá - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ CEZAR NICOLAU - Un�nime - J. 17.03.2011)


APELAÇÃO CRIMINAL - ESTELIONATO - REMESSA DOS AUTOS À PGJ - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO - 'CUSTOS LEGIS' - PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - VENDA DO MESMO TERRENO POR DUAS VEZES - TIPICIDADE DA CONDUTA - CONDENAÇÃO MANTIDA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS - NECESSIDADE DE REDUÇÃO DAS PENAS - RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. - O art. 610 do CPP prevê expressamente que o recurso de apelação deve ser remetido imediatamente com vista ao Procurador-geral pelo prazo de 5 (cinco) dias, o que se justifica em razão de este atuar como fiscal da lei ('custos legis'), e não como órgão de acusação. - Comprovado que o agente, dolosamente, alienou o mesmo bem, por duas vezes, a pessoas distintas, resta configurada a prática do delito de estelionato previsto no art. 171, §2º, I, do CP. - A análise favorável de todas as circunstâncias judiciais conduz a pena-base ao mínimo legal cominado.


(TJMG - Apelação Criminal 1.0145.04.188540-4/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Deodato Neto , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 13/07/2010, publicação da súmula em 20/08/2010)




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


https://www.jusbrasil.com.br/


https://www.gov.br/planalto/pt-br


https://jus.com.br/artigos/69115/saiba-o-que-e-o-crime-de-estelionato


https://emidiovictor.jusbrasil.com.br/artigos/829872424/analogia-interpretacao-extensiva-e-interpretacao-analogica-qual-a-diferenca


https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/guamare-homem-vende-mesmo-terreno-a-tres-pessoas-e-e-condenado-por-estelionato


DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teorias das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.


GONÇALVES, Victor Eduardo. Direito Penal Parte Especial: Esquematizado. 6 ed.São Paulo. Editora Saraiva, 2016.


GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Volume II. 12. ed.

Niterói. Editora Impetus, 2015.

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