VENDA CASADA
- Bulhões e Bulhões Advocacia
- 16 de jun.
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I – DO CONCEITO E DA PREVISÃO
Inicialmente, vale salientar que venda casa corresponde ao condicionamento da venda de um produto/serviço a outro, ou seja, o consumidor só poderá adquirir o produto ou realização de serviço que deseja, se também levar outro produto ou for fornecido outro serviço.
Segundo lições de Tasso Duarte de Melo, “A denominada ‘venda casada’ tem como ratio essendi a vedação a proibição imposta ao fornecedor de, utilizando de sua superioridade econômica ou técnica, opor-se à liberdade de escolha do consumidor entre os produtos e serviços de qualidade satisfatório e preços competitivos”.

Cumpre asseverar que a venda casada consiste em uma prática abusiva, estando prevista no artigo 39, I, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), in verbis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
(CDC, 1990)
Conforme destacam Daniel Amorim e Flávio Tartuce: “Esse primeiro inciso do art. 39 proíbe a venda casada, descrita e especificada pela norma. De início, veda-se que o fornecedor ou prestador submeta um produto ou serviço a outro produto ou serviço, visando um efeito caroneiro ou oportunista para venda de novos bens. Ato contínuo, afasta-se a limitação de fornecimento sem que haja justa causa para tanto, o que deve ser preenchido caso a caso. Ampliando-se o sentido da vedação, conclui-se que é venda casada a hipótese em que o fornecedor somente resolve um problema quanto a um produto ou serviço se um outro produto ou serviço for adquirido”.
Dessa maneira, resta claro que tal conduta desequilibra as relações consumeristas entre consumidor e fornecedor.
II – DO COMETIMENTO DE INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA DE FORNECEDORES QUE PRATICAM VENDA CASADA
Primeiramente, cabe esclarecer que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, nos termos do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, ipsis litteris:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
(CDC, 1990)
Cabe aduzir que somente se caracteriza como fornecedor quem realiza as atividades descritas acima de forma habitual, conforme entendimento dos tribunais pátrios:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FESTA PROMOVIDA EM ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. MORTE DE UM DOS FREQUENTADORES POR ARMA DE FOGO. FATO DE TERCEIRO. ROMPIMENTO DE NEXO CAUSAL. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. A caracterização da pessoa jurídica como fornecedora (art. 3º do CDC) depende de habitualidade na prestação do serviço, hipótese não constatada no caso concreto. Incide, na hipótese, responsabilidade civil subjetiva com base na lei civil – artigos 186 e 927 do Código Civil. Segurança efetivamente prestada pela promotora do evento durante a festa. Morte de um participante que resultou de fato exclusivo de terceiro, afastando-se o nexo causal e o consequente dever de indenizar. Sentença de improcedência mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(TJ-RS - AC: 01576435020198217000 SOLEDADE, Relator: Thais Coutinho de Oliveira, Data de Julgamento: 05/03/2020, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: 01/10/2020)
APELAÇÃO CÍVEL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO CORRETOR DE IMÓVEIS. RECONHECIDA. PRECEDENTES. NORMAS CONSUMERISTAS. INAPLICÁVEIS. VENDEDORES NÃO HABITUAIS. VÍCIOS OCULTOS NÃO EVIDENCIADOS. FOTOS E ORÇAMENTOS CONFECCIONADOS UNILATERALMENTE PELOS COMPRADORES E IMPUGNADOS EXPRESSAMENTE PELOS VENDEDORES. PROVAS DOCUMENTAIS INSUFICIENTES. PRECEDENTE DESTA 3ª CÂMARA. RECURSO NÃO PROVIDO, EM RELAÇÃO AOS VENDEDORES. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO EM RELAÇÃO AO CORRETOR. 1. O corretor de imóveis, em regra, não pode ser responsabilizado por eventuais vícios de construção no bem. 2. A caracterização da pessoa como fornecedora (art. 3º do CDC) depende de habitualidade na prestação de serviço ou na oferta de produtos. 3. Se os elementos trazidos aos autos não revelam a existência de omissão dolosa por parte dos vendedores e se os vícios apontados não podem ser qualificados como ocultos, não há fundamento legal para a imposição da obrigação de fazer reparos no imóvel ou indenizar por eventuais prejuízos.
(TJ-SP - AC: 10009067020188260477 SP 1000906-70.2018.8.26.0477, Relator: Maria do Carmo Honorio, Data de Julgamento: 18/10/2020, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/10/2020)
Cumpre asseverar que, segundo o artigo 36, §3º, XVIII, da Lei nº 12.529/2011, constitui infração de ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados, subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de bem, vejamos:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
(...)
§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
(...)
XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;
(Lei nº 12.529/2011)
Frisa-se também que os fornecedores que praticarem tal conduta estão sujeitos à aplicação de multas, nos termos dos artigos 37 e seguintes da Lei nº 12.529/2011.
III – DOS EXEMPLOS MAIS COMUNS DE VENDA CASADA
A) DA CONSUMAÇÃO MÍNIMA EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS
Vários estabelecimentos comerciais, sobretudo restaurantes e bares, impõem uma consumação mínima de gastos para que o indivíduo permaneça em tal ambiente, contudo tal prática é configurada como venda casada, pois tira a liberdade de escolha do que a pessoa deseja consumir, já que o consumidor é obrigado a gastar por outros produtos que não deseja.
B) DA ENTREGA DE CARTÃO DE CRÉDITO APENAS COM AQUISIÇÃO DE OUTROS PRODUTOS
Inúmeras instituições financeiras exigem dos consumidores que pretender contratar um cartão de crédito que os mesmos só realizem tal negócio jurídico mediante a contratação de outros serviços que a fornecedora oferece, tais como abertura de uma conta bancária, contratação de empréstimo, seguro, etc.
Conforme jurisprudência abaixo, percebe-se que um banco fora condenado ao pagamento de indenização por danos morais a um consumidor, uma vez que só forneceu cartão de crédito ao mesmo mediante a uma contratação de empréstimo, ficando configurada a prática abusiva de venda casada, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO -RELAÇÃO DE CONSUMO - CONTRATADO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - VENDA CASADA - CARTÃO DE CRÉDITO - RESTITUIÇÃO EM DOBRO DEVIDA - DANO MORAL - CONFIGURADO - RECURSO PROVIDO. - Revela prática abusiva por parte do banco, que promoveu o fornecimento casado de cartão de crédito com mútuo, embora apenas este tenha sido solicitado pelo consumidor, violando os preceitos da legislação consumerista - A devolução dos valores indevidamente pagos pelo autor, em desacordo com o contrato de empréstimo consignado, deve observar o disposto no art. 42, parágrafo único da legislação consumerista - É evidente a aflição e o sofrimento do consumidor que, após anos, vendo descontado de seu contracheque parcelas as quais acreditava serem destinadas à amortização de mútuo contraído, percebe que o montante da dívida se elevou, pois os pagamentos referiam-se às taxas mínimas de cartão de crédito que nunca utilizou. Assim, impõe-se a obrigação de ressarcimento dos danos morais pelo banco.
(TJ-MG - AC: 10145120268811001 MG, Relator: Amorim Siqueira, Data de Julgamento: 26/06/2018, Data de Publicação: 16/07/2018)
Assim, o consumidor que for vítima da referida prática abusiva, deverá mover ação judicial, pugnando por indenização por danos morais.
C) DA AQUISIÇÃO DE BRINQUEDOS EM LANCHONETES SOMENTE CASO ADQUIRA O LANCHE
É comum que muitas lanchonetes condicionem a venda de brinquedos à lanches, muitas vezes em altas quantidades, mesmo tais fornecedoras tendo ciência que crianças não consomem a elevada quantidade de alimentos, conduto, tal conduta se configura como venda casada.
D) DOS COMBOS DE SERVIÇOS DE INTERNET/TELEFONE/TELEVISÃO
Inicialmente, cabe destacar que, para que um telefone funcione, não necessita que haja o funcionamento de televisão e internet, porém, diversas fornecedoras só vendem um desses serviços mediante a contratação dos outros mencionados.
Cumpre asseverar que, de acordo com julgado do Superior Tribunal de Justiça abaixo, em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais em desfavor da GVT, com pedido de indenização por danos morais coletivos, o Superior Tribunal de Justiça seguiu o mesmo entendimento do juízo a quo, onde foi configurada a venda casa por parte da fornecedora, uma vez que a empresa efetuava a venda casada de serviços de telefonia e internet:
CIVIL. CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO MANIFESTADA NA VIGÊNCIA DO NCPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TELEFONIA FIXA E ACESSO À INTERNET. VENDA CASADA. RECONHECIMENTO, COM BASE NOS FATOS DA CAUSA. REFORMA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DANO MORAL. VALOR INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE, QUANDO SE TRATAR DE QUANTIA EXORBITANTE, COMO NO CASO DOS AUTOS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos no Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. O Tribunal de origem, após sopesar o escorço fático-probatório dos autos, manteve a sentença que reconheceu que a GVT efetuava venda casada de serviços de telecomunicações, o que acarretou dano moral à coletividade de consumidores. Rever tal entendimento encontra óbice no enunciado da Súmula nº 7 do STJ. 3. Esta Corte entende ser possível a revisão do valor indenizatório estabelecido pelas instâncias ordinárias, nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que se evidencia no presente caso, em que o valor indenizatório pelos danos morais coletivos fora fixado em R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). 4. Em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem descuidar do reconhecimento da extensão do ato lesivo, que repercute numa vasta gama de consumidores/usuários dos serviços de telefonia, tenho como suficiente e apta para cumprir o dúplice caráter inibitório/reparatório a quantia de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). 4. Agravo interno parcialmente provido.
(STJ - AgInt no AREsp: 900932 MG 2016/0093966-6, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 25/02/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/02/2019)
Dessa maneira, o consumidor que se sentir lesado da referida prática abusiva, deverá mover ação judicial, pugnando por indenização por danos morais.
E) DAS CONCESSIONÁRIAS DE VEÍCULOS QUE OBRIGAM A CONTRATAÇÃO DE SEGURO VEICULAR DO PRÓPRIO ESTABELECIMENTO
Algumas concessionárias veiculares costumam condicionar a venda de veículos automotores apenas se o consumidor adquirir o serviço de seguro veicular do próprio estabelecimento, no entanto, tal conduta é venda casada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
https://www.jusbrasil.com.br/
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm
https://www.nuvemshop.com.br/blog/venda-casada/
https://resolvarapido.com/confira-5-tipos-de-vendas-casadas-que-voce-pode-denunciar/
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. IV | n. 13 | MARÇO 2014
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual.3. ed. Rio de Janeiro: MÉTODO, 2014.
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